A Musa Oculta da Bossa Nova
Mês passado falei sobre João Gilberto, e uma das histórias era ele pedir para Dulce Nunes (hoje Bressane) lhe comprar camisas, pois ela “sabia comprar camisa para tocar violão”. Vou escrever mais vezes sobre ela, hoje é só uma introdução – e o título da matéria roubei descaradamente de uma crônica do Artur da Távola.
Pois Dulce era casada com Bené Nunes, um grande músico que foi dos primeiros a abrir suas portas para o nascente movimento. Parece que estava fadada a protagonizar questões de vestuário, pois emprestou, do guarda roupa do marido, o suéter que João vestiu na capa do LP Chega de Saudade (Ronaldo Bôscoli contou história diferente para Ruy Castro. Acredito mais na Dulce. Polêmica! Polêmica!). Tempos depois, João Donato ia para os EUA. Foi se despedir, usando um terno fininho da Ducal e Dulce, preocupada e gentil como é até hoje, ofereceu o tal suéter para que ele não passasse frio. Quando seu xará Gilberto soube se enfureceu, aquele suéter era um patrimônio de uso exclusivo dele...
Dulce quis um violão e Bené soube que um grande amigo estava justamente vendendo um, então foram à casa dele comprá-lo: um tal de Garoto, que fascinou a jovem Dulce com harmonias e solos que ela jamais tinha visto no instrumento.
Tempos depois, João Gilberto – sempre ele! – ia para uma sessão de fotos e pegou-o emprestado, pois se tratava de um violão “fotogênico”, além de já ter dado sorte usando um objeto deles na capa de um disco. Teve um acesso quando descobriu que Eurídice, mãe de Dulce e artista plástica compulsiva, havia feito desenhos no tampo do instrumento. Disse que o violão estava estragado, aquilo havia modificado seu som, o que não o impediu de ficar com ele por vários meses.
Devolvido enfim, não sem algum trabalho, o violão foi novamente emprestado, dessa vez para um certo Baden Powell. Essa história gloriosa se encerra de forma melancólica, quando o namorado de uma sobrinha de Dulce o esquece numa mesa de bar...
Dulce, que após se separar de Bené se lançou numa curta e bem sucedida carreira de cantora (que durou até seu casamento com Egberto Gismonti), gravou discos, estreou e estrelou o musical “Pobre Menina Rica”, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes, participou de quase tudo que aconteceu na MPB nos anos 60. Uma pessoa especial, muito querida, uma unanimidade, que encanta quem chega perto. Contar dois ou três casos divertidos é apenas uma tentativa de chamar a atenção para seu nome, torcendo para que alguém se habilite a escrever a biografia dessa importantíssima artista brasileira.
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