Colunista Convidado

A madura estreia de Celsinho Silva, Nas ondas da noite

sexta, 10 de janeiro de 2020

Compartilhar:

Gêneros da nobreza artística popular, o choro e o samba tem dinastias eloqüentes e, por vezes, contíguas. Integrante de ambas, o percussionista de choro Celsinho Silva estréia suas facetas de autor e cantor de sambas no disco “Nas ondas da noite” (Kuarup) – maduro, como convém ao ambiente, aos 62 anos. E não renega os seus, que são muitos e ilustres. É filho de Jorginho do Pandeiro (1930-2017), do conjunto Época de Ouro (que hoje o filho integra), fundado pelo luminar Jacob do Bandolim, onde também atuava seu irmão (e tio de Celso) Horondino Silva, o Dino Sete Cordas (1918-2006), pai do baixista Dininho, acompanhante durante anos de Paulinho da Viola. Outros tios músicos do debutante, irmão de Jorge Filho (cavaquinho), são Tico Tico (bandolim) e Lino (cavaquinho). A dinastia (continuada no filho, Eduardo Silva, violão 7 cordas, que também toca no disco) não pára por aí; como enumera no encarte do disco, o saxofonista e flautista Mário Seve – companheiro longevo de Celso, no grupo Nó em Pingo D’Água. Sem que muitos se lembrem, o pai do estreante, Jorginho, integrou um dos míticos grupos da era vocal, Quatro Azes e Um Coringa. E sua mãe, Dona Neusa Albuquerque Silva, embora não tenha seguido carreira, exibe seus dotes como cantora nos dribles da faixa “Foi uma pedra que rolou”, ícone sincopado de Pedro Caetano.

No álbum que congrega a família, cintilam astros de várias gerações e latitudes como Cristóvão Bastos (piano), Luciana Rabello, (cavaquinho), Rodrigo Lessa (arranjos, violão), Muiza Adnet e Beatriz Rabello (coro), Rogério Caetano, João Camarero, Julião Pinheiro, Mauricio Carrilho (violões), Luiz Barcellos (bandolim/cavaquinho), Rui Alvim (clarinete), Eduardo Neves (sax, flauta). No repertório, há clássicos revisitados com outras abordagens, como a marcha rancho carnavalesca “Mascara negra” (Zé Kéti/ Hildebrando Matos), ralentada, quase confidente, num inesperado dueto de Celso com a japonesa Machiko Watarumi. Alguma dissonância infiltra-se na releitura do anti-épico de Noel RosaQuando o samba acabou”, enquanto o anunciador “Corra e olhe o céu” (Cartola/ Dalmo Castelo) esgueira-se entre a carícia e a confidência.

Celsinho prova a habilidade autoral em três robustas parcerias com Paulo Cesar Pinheiro, as desiludidas “Bastão de giz” e “Mágoa iluminada” (“são as lágrimas da lua/ no olhar da madrugada”) e a sarcástica e buliçosa “Convivência” (“desse amor não levo nada/ o que eu trouxe na entrada/ eu deixei na saída”). “Copa 5 ou Copa 6” (com Alberto Paz) tem tinturas de bossa e sax tenor jazzístico, enquanto a fugaz “Quarto de hotel” (com Agenor de Oliveira e Délcio Carvalho) destila lirismo e solidão. Duas outras jóias alheias adornam o roteiro. Na abertura, a incisiva faixa título, “Nas ondas da noite”, de Paulinho da Viola (“se há um tempo de amargura/ pode haver a desventura/ de um samba sem calor”) e o fecho apoteótico com Dona Ivone Lara e Mano Décio em “Agradeço a Deus”: “hoje sou feliz, me reencontrei/ vivo com alegria/ pois da nostalgia/ já me separei”.

Tárik de Souza

Comentários

Divulgue seu lançamento