Prosa & Samba

A Importância de Beth Carvalho para o Samba de São Paulo

terça, 05 de abril de 2022

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“Iracema, eu nunca mais que te vi
 Iracema meu grande amor foi embora
 Chorei, eu chorei de dor porque
 Iracema, meu grande amor foi você”

Iracema — Samba de Adoniran Barbosa


Com esta maravilhosa canção de Adoniran Barbosa, a cantora Beth Carvalho abria com louvor o seu show em homenagem ao samba paulista em 10 de Dezembro de 1991 no Sesc Pompéia. 31 anos depois, vamos revisitar a importância desta obra para o Nos anos 90, as rádios paulistanas eram dominadas por uma das vertentes do samba, mais conhecida como pagode.

Oriunda do Rio de Janeiro, este segmento se enraizou nas camadas mais populares da nossa sociedade e se transformou em um grande viral entre os jovens. Cheio de prosas e poesias e carregado de amor, na maioria de suas letras a juventude se identificou com o segmento e polarizou diversos nomes, claro que rapidamente a elite aderiu e pagode caiu no gosto popular. 

Era um momento de afirmação de nosso ritmo que ainda vivia preso pelo estigma de “Túmulo do Samba”, alcunha cravada no nome do Poeta Vinicius de Moraes que até hoje ninguém afirma que seja o mesmo que falou tal frase. Pensando em algo maior que esta frase, a “Madrinha” sentou-se à mesa na Gravadora Velas (de Ivan Lins e Vitor Martins) com o também músico Eduardo Gudin e o genial Osvaldinho da Cuíca, entre outros, e juntos construíram este grande trabalho.

Para a construção deste show, Beth Carvalho contou com a seguinte equipe formada pelos músicos: Paulo Freire Araújo, o Paulão (Arranjos — Violão de 6 cordas), Edmilson Capelupi (Violão de 7 Cordas), Niltinho (Cavaquinho), Antonio Pinheiro (Bateria), Osvaldinho da Cuíca (Surdo, Tantan, Tamborim e Cuíca), Jorginho Cebion (Tantan e Pandeiro), Fiapo (Repique de Mão) e Baldo (Surdo).

Por sinal, a sonoridade da Cuíca de Osvaldinho fora o deleite principal para, assim como um feitiço, outros bambas pudessem elencar este trabalho. Logo ele, conhecedor nato e ávido da malandragem da cidade, conseguiu reunir um time com nomes como: Geraldo Filme, Silvio Modesto e Maurinho da Mazzei neste projeto e olha que foi uma conquista e tanto.

Beth que sempre foi uma pesquisadora e observadora das nuances do samba, naquele período vinha com uma sequência de bons álbuns como: Vou Festejar (RCA Victor 1989), Beth Carvalho e Martinho da Vila (RCA 1990), Ao Vivo no Olympia (Som Livre 1990). Ela era um dos grandes nomes do samba e vinha com uma sequência de bons Lp’s no mercado fonográfico, apesar de parecer uma lacuna gigantesca entre este movimento no Rio e em São Paulo, em diversas oportunidades, ela esteve circulando entre os bares e ruas da cidade e participando das rodas de samba e eventos locais. Foi assim que ela bebericou na fonte de Germano Mathias, Marco Aurélio Jangada, Paulo Vanzolini, Noite Ilustrada, Talismã entre outros…

Foto: Germano Mathias e Noite ilustrada/Reprodução: imagens da internet

Na construção deste álbum, a cantora decidiu cantar um repertório que exaltasse a importância do samba paulista, sem bairrismo, ela queria ali, inserir uma pedra na fala do Poeta Vinicius de Moraes e reescrever uma nova página, ela queria mostrar ao mundo, tudo que ela pode ouvir e apreciar nestas desventuras pelas noites madrigais.

Então ela começa a lapidar o seu projeto!

O Poeta Paulo Vanzolini, com um legado imenso a favor da ciência e da música é cantado em duas faixas: “Praça Clóvis e Volta por cima” , ele que fora um verdadeiro exemplo da vida boêmia não poderia faltar neste trabalho, já que este traz ao público, os sambas cantados nas rodas de bares e nas noites paulistanas.

O Cientista e Poeta Paulo Vanzolini (in memorian)/Reprodução: imagens da internet

Já o multiartista Talismã, que sempre teve seu nome vinculado às composições de sambas enredos e seus trabalhos como carnavalesco, recebeu uma exposição ainda maior com o seu samba incluso neste show. Mesmo com o seu clássico samba enredo “Sonho Colorido de um Pintor” composto juntamente com o Compositor B. Lobo, ter sido regravado pelo Cantor Tom Zé na década de 70. As canções que estavam nesse show foram expostas a nível nacional e assim consolidou o seu nome. Segue abaixo trecho do samba:

Meu sexto sentido me diz
Que ele sente saudade
E que a sua felicidade
Esta junto a mim
Brigamos ele foi embora
Eu não vou atrás
Se ele volta eu não brigo mais
Se ele volta eu não brigo mais

Canção “Meu Sexto Sentido” de Octavio Da Silva — Talismã / Raymundo Teixeira Prates.



A cada faixa cantada, um pedaço da cidade era representado através da singularidade das canções. Sambas poéticos que traduziam um momento perdido de nossa cidade e que trazia um sentimento misto de orgulho e respeito no qual o público era acarinhado pela voz da “Madrinha do Samba”. Uma noite épica, onde ela despejou ao público o amor que sentia pelos bambas da paulicéia. Este disco, tem como marca uma das últimas grandes gravações feita por Geraldo Filme, este registro primoroso fora celebrado na canção “ Vem pra roda prá versar” canção de Maurinho da Mazzei, outro talentoso sambista de nossa cidade.

Faixa após faixa, você tem a total certeza que este Lp fora um divisor de águas para o samba de São Paulo, em um momento em que nosso carnaval ganhava um palco (Anhembi), a cidade ganhou de presente uma obra atemporal, tanto que até hoje é fácil você ouvir um sambista cantarolar algumas das faixas deste disco.

A capa deste álbum foi feita pelo Mestre Elifas Andreato.

O samba de São Paulo de forma histórica sempre foi grande, dado a importância e contribuição que seus diversos compositores possuem em terras cariocas como é o caso do compositor Vadico, parceiro de Noel Rosa ou simplesmente pelo talento de Zé Di, compositor que subiu o morro do Salgueiro para ganhar um samba enredo pela “Academia do samba” em 1974 ( O Rei da França na Ilha da Assombração), cito estes nobres como exemplo dentre tantos outros que foram relevantes para cravar o seus nomes na história.

Esta rivalidade muito mais comercial do que musical, nada impediu que nossos grandes poetas contribuíssem para o cenário musical carioca e assim vice-versa. O que Beth Carvalho trouxe com este show foi a certeza de que nosso samba veio para ficar, ela mostrou toda genialidade de cada artista e isto pode ser celebrado na parceria entre o sambista Mário Sérgio, Carica e Luizinho SP com o samba “Mania da Gente” ou a singela homenagem aos Mestre Toquinho e Vinícius de Moraes com a bela canção: Regra Três.

Elizabeth Santos Leal de Carvalho, nasceu em 1946 no Rio de Janeiro e aos oito anos de idade, após ganhar um violão de sua mãe, a Sra. Maria Nair Santos, começou a beber da fonte de Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso, Silvio Caldas, estes grandes nomes da música que eram amigos de seu pai, o advogado Sr. João Francisco Leal de Carvalho, sua avó  tocava Bandolim e violão, sua mãe tocava piano clássico e sua irmã Vânia Santos Leal de Carvalho, era cantora.

Assim, com esta fonte rica dentro de seu quintal e da influência da turma de João Gilberto e a Bossa Nova, nascia a cantora Beth Carvalho. E após 30 anos do lançamento deste Lp/Cd estamos aqui para celebrar a importância que este trabalho teve para o samba de São Paulo, após o lançamento deste álbum, todo movimento envolto das escolas de samba e dos grupos de pagode ganharam atenção nacional e o samba que era apenas regional, ganhou outros ares. 

Hoje, o que nos resta?
É agradecer, celebrar e recordar esta grande obra.
E deixo essa singela homenagem a nossa “Madrinha”,
pois o samba com certeza também é Mania da Gente!





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