A música popular na república

A Era Vargas

“O teu governo não nega, Getúlio”, por André Diniz

domingo, 22 de outubro de 2017

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Os cavalos amarrados no obelisco da avenida Rio Branco, no Centro do Rio, eram o sinal de que o golpe triunfara. Getúlio Vargas sentou-se na cadeira presidencial e debutou no poder. No baile getulista, a trilha sonora era eclética: para uns, ele valsou como “Mãe dos Ricos”, para outros, sambou como “Pai dos Pobres”. E durante um bom tempo o ritmo das batidas militares ecoava forte em seu coração. 

Nunca um presidente da República foi tão cantado na história: ele era tema de marchas, hinos e sambas. Em 1932, aconteceu o primeiro desfile de escolas de samba na Praça Onze, no centro do Rio, perto do atual Sambódromo. Lá estavam as pioneiras Mangueira, Vai como Pode (futura Portela), Unidos da Tijuca e a Deixa Falar. Esta, fundada por Ismael Silva, Bide e Marçal, além do pioneirismo na utilização do nome escolar, trouxe a instrumentação que ganharia os morros e ruas da cidade nos desfiles: surdo, tamborim, pandeiro: os instrumentos que geraram o “samba de sambar”, como muito bem apontou o pesquisador Humberto Franceschi em obra homônima.

Depois de “substituir” Washington Luís, Getúlio Vargas ficou à frente do governo provisório. Seus primeiros atos “revolucionários” foram suspender a Constituição e fechar o Congresso. Ainda destituiu uma penca de governadores, substituindo-os por interventores, quase todos egressos do Movimento Tenentista. Lamartine Babo, João e Raul Valença, em “O teu cabelo não nega”, nomearam-se “tenente interventor” para rasgar o coração da mulata: 

Tens um sabor 
Bem do Brasil,
Tens a alma cor de anil.
Mulata, mulatinha, meu amor,
Fui nomeado seu tenente interventor. 
O teu cabelo não nega, mulata. 


Enquanto o povo pulava no Rio de Janeiro ao som das escolas de samba e de “O teu cabelo não nega”, em São Paulo estourava a Revolução Constitucionalista contra o governo federal, em 1932. Os paulistas parodiavam a marchinha com “O teu governo não nega, Getúlio”: 

O teu governo não nega, Getúlio, 
Que foi uma tapeação.
A ditadura não pega, Getúlio, 
Faz dela bucha de canhão. 


Os revoltosos colocaram no ar uma propaganda com o objetivo de recrutar pessoas para o conflito. Eles queriam uma nova Constituição e um interventor mais próximo de seus interesses políticos. Antes que algumas emissoras do Rio entrassem na onda de apoiá-los, Getúlio ativou seus censores. Numa dessas, o cantor Moreira da Silva (conhecido como Kid Morengueira) quase dançou. Morengueira costumava exagerar os gestos diante do microfone. Percebendo a agitação do funcionário da censura, o compositor Noel Rosa, que na época desenvolvia a função de contrarregra, pilhou Moreira no intervalo da gravação: “Olhe lá! Não vá continuar a fazer muitos gestos exagerados no microfone enquanto estiver cantando, senão o ‘meganha’ [o censor] prende você sob o pretexto de estar mandando sinais enigmáticos para os paulistas.” 

O sinal mandado por militares e políticos gaúchos e mineiros ao movimento constitucionalista era falso. Na hora agá, só o general Bertoldo Klinger, do estado do Mato Grosso, não roeu a corda e ficou do lado dos paulistas. Depois de três meses, o governo central, com muito mais poder de fogo, derrotou a sedição. 

Com a revolta dominada, a campanha eleitoral correu solta. Após alguns meses de debate, em julho de 1934 foi promulgada a nova Constituição, e Getúlio empossado presidente pelo voto dos congressistas. No mesmo ano, o antenado Lamartine Babo, lançava a marchinha “História do Brasil”. Estaria o sensível Lalá dizendo subliminarmente que o Brasil se reinventava?

Quem foi que inventou o Brasil?
Foi seu Cabral!
Foi seu Cabral!
No dia 21 abril,
Dois meses depois do carnaval.


É vê pra crê.


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