Amigo ao Peito

80 anos do Maestro Tacuchian

segunda, 21 de janeiro de 2019

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Esse ano o maestro Ricardo Tacuchian completa 80 anos. E daqui faço questão de abrir os trabalhos das inúmeras homenagens que certamente virão.

Evidentemente, vou puxar a brasa para a sardinha de nosso instrumento, o violão. Para isso conversei com seu biógrafo e amigo, o professor da UFRJ Humberto Amorim. Humberto, além de estrear diversas peças do mestre, escreveu (editado pela Academia Brasileira de Música) o livro Ricardo Tacuchian e o Violão", obra fundamental para o entendimento de sua obra. Das inúmeras histórias que conhece, escolheu me contar essa, pessoal até a medula:

Humberto, antes de prestar concurso para a UFRJ, se equilibrava em 3 empregos. Vivia mal, mas vivia. Quando resolveu queimar os navios e partir para cumprir seu ideal acadêmico, se deparou com algumas dificuldades, entre elas a de escrever um “memorial”. Não fazia ideia de como proceder, até que o aconselharam a procurar o maestro Tacuchian. Ele, meio sem jeito de incomodar o figurão, engoliu a timidez e foi. De cara, recebeu um convite para almoçar. Já comemorou:

– Meu dinheiro dava, contado, para tomar uma vitamina pela manhã, dois miojos no almoço e um no jantar.

Quem conhece Humberto sabe que ele não exagera. 

Chegou lá, foi recebido principescamente, comeu uma inesquecível lasanha de berinjela, e foram à aula sobre o tal memorial. Mais de duas horas de explicações detalhadas de procedimento, culminadas com o oferecimento de empréstimo do próprio memorial de tantos anos atrás para ser xerocado, a fim de ser usado como modelo. Humberto declinou, não havia dinheiro para copiar as mais de 300 páginas. Ricardo, então, emprestou seu original, sem prazo de devolução. 

O que por si só já seria uma extrema generosidade, toma ares de gesto único quando Humberto chega em casa, abre o volume e encontra oculto um envelope, com uma muito bem-vinda quantia em dinheiro.

A vida de Tacuchian é monotonamente dividida em momentos de generosidade, de ética, de humildade e talento. Um mar calmo, onde jamais se ouve uma única palavra que desabone alguma sua conduta. Do talento suas mais de 400 obras falam por si, é executado no mundo todo. Por isso prefiro falar de outros aspectos, a humildade, por exemplo:

Seminário Vital Medeiros, seminário de violão. O professor Gilson Antunes, organizador, resolve homenageá-lo pelos seus 70 anos. É feito um belo evento, homenagens, seguidas de comemorações que entram pela madrugada. 

No dia seguinte, pela manhã, haveria uma palestra de um compositor argentino sobre uma peça bastante controversa do repertório violonístico, a “Sonata Op 47”, do também argentino Alberto Ginastera. Pois o primeiro a chegar, bloquinho na mão, foi Tacuchian. Anotou a palestra toda como se fosse um principiante. Dois anos depois compôs uma peça na qual desdobrava alguns conceitos que anotou naquela manhã. Isso com mais de 70 anos, já totalmente mestre de seu ofício. 

Quando Humberto lhe mostrou o primeiro tratamento de seu livro, o maestro assinalou diversos pontos em que achou que o autor não havia sido rigoroso o suficiente. Aliás, antes da confecção da biografia ele deixou claro que queria ser tratado com rigor musicológico, não queria colecionar elogios. Esse desapego ao próprio ego também ficou claro após um show em sua homenagem. Ao ser instado a subir ao palco e fazer um discurso, em vez de falar de si passou 15 minutos dizendo da necessidade de uma sociedade mais fraterna, com mais justiça social. Ele não gasta holofotes consigo próprio...

Uma outra contribuição pouco conhecida do maestro é a da inclusão do violão na Universidade. Desde que, na década de 50 viu uma pessoa ser impedida de entrar na Escola de Música com um violão, se perguntava sobre o porquê do mais brasileiro dos instrumentos não ter vez na academia. Pois na década de 80, “atravessou a rua”, da Escola de Música até a Sala Cecília Meirelles, onde Turibio Santos era diretor, para convencê-lo a ser professor da UFRJ no que seria o curso de violão. Atravessou todas as barreiras burocráticas da universidade e conseguiu.

Mas a história que a meu ver melhor resume suas características eu mesmo testemunhei.  

Na comemoração, naquela mesma tão citada Escola de Música da UFRJ, dos 80 anos de Jodacil Damaceno (já objeto de crônica aqui da coluna), Humberto Amorim estreou uma peça de Tacuchian, “Alô, Jodacil”. Uma peça muito tradicional, chorona na melhor tradição brasileira, mas bem distante do estilo do nosso compositor. Jodacil adorou a peça. 

Ao terminar a cerimônia perguntei-lhe sobre isso. Ele:

-Eu sempre soube que o Jodacil não gosta muito das minhas características de composição. Como era para fazê-lo feliz, resolvi escrever uma peça mais direta, mais tradicional.

Um compositor respeitado no mundo todo, com um estilo característico, fugir de seu universo composicional para agradar a um amigo denota algumas coisas como desapego, domínio técnico, talento, humildade, generosidade e, talvez o mais importante, bondade. 

É isso. Ricardo Tacuchian é, acima de tudo, uma pessoa boa. De quem tenho enorme orgulho de ser amigo. Parabéns, xará, obrigado por tudo.





Seguem links de vídeos com algumas de suas obras. Agradeço ao professor Humberto Amorim pela entrevista que facilitou este artigo.


“Alô, Jodacil” com Humberto Amorim




“Estruturas Gêmeas” (duo de piano) A série de Oito Estruturas são peças emblemáticas do período "vanguardista" da década de 1970.




“Libertas Quae Sera Tamen” Uma das peças feitas na ditadura que tinham conteúdo político mais explícito. Infelizmente, não há a Cantata dos Mortos disponível no youtube, o maior sucesso e ovação que recebeu em um concerto público, tendo que, em plena ditadura, reprisar o espetáculo com uma juventude sentada no palco e com o texto de Vinícius de Moraes censurado)




“Mosaico” com Duo Santoro




“Concerto para violino e orquestra” com Carla Rincón ao violino (peça recente, dentro do pluralismo sintético que o caracteriza desde a década de 2000)




“Evocando Manuel Bandeira” com Paulo Pedrassoli




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