A música popular na república

50 anos em 5 – O presidente Bossa Nova

sexta, 11 de maio de 2018

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Com a morte de Getúlio, assumiu a Presidência o vice Café Filho. O presidente, os udenistas e outros grupos políticos queriam que a decisão sobre o nome do próximo governante resultasse de uma grande união nacional. Mas a ideia não foi adiante. E nas ruas cantava-se a música de campanha de Juscelino Kubitschek (PSD): 

Juscelino Kubitschek é o homem. 
Vem de Minas, das bateias do sertão. 
Juscelino, Juscelino é o homem 
 Que, além de patriota, é nosso irmão. 
Brasil, vamos para as urnas. 

Em 1955, Juscelino ganhou a eleição e João Goulart foi escolhido para vice, com praticamente 600 mil votos a mais que JK – é importante lembrar que as eleições de presidente e vice não eram casadas, como hoje; podia-se votar no candidato a presidente por um partido e no vice de outro. Presidente ninguém tem dúvida do que é, mas “presidente bossa-nova”, o que significaria isso ao final  de 1950? 

A bossa nova foi um movimento musical que surgiu no Rio em 1958. De certa forma, nasceu como produto das experiências dos últimos tempos, apesar de guardar distância do clima “dor de cotovelo”, existencialista, dos primeiros anos da década de 50. Ficava para trás a temática da depressão, da dor de cotovelo, das belas músicas de Dolores Duran, Antônio Maria e Maysa. O momento era de mudança. Foi em Copacabana, na zona sul carioca, regada a uísque, cigarro, inferninhos, boate e samba-canção que nasceu a bossa nova. Mas ganhou vida e identidade com os jovens universitários numa praia um pouquinho adiante: Ipanema. 

Para alguns pesquisadores, o marco inaugural da bossa nova foi o LP Canção do amor demais, gravado pela cantora Elizeth Cardoso em 1958, com o clássico “Chega de saudade” (Tom Jobim e Vinicius de Moraes). Um ano depois, João Gilberto, de voz cool e batida genial ao violão, regravaria a música em seu disco Chega de saudade

Chega de saudade!
A realidade é que sem ela 
Não há paz,
Não há beleza,
É só tristeza e a melancolia... 

No governo JK, o país viveu um momento de euforia desenvolvimentista, de crescimento econômico espetacular (10% ao ano), de consumo desenfreado, e novos produtos das multinacionais invadiram nosso mercado. O automóvel era o símbolo de um “governo bossa-nova”. Enquanto a classe média ia ao paraíso do consumo, comprando televisão, enceradeira, rádio, geladeira, toca-discos, batedeira elétrica, ar-condicionado, brinquedo elétrico, o mundo conheceria o futuro Rei do Futebol, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, os magníficos Manuel Francisco dos Santos, o Mané Garrincha, e Valdir Pereira, o Didi. Vencemos os suecos (donos da casa) por 5 × 2 e conquistamos pela primeira vez a Copa do Mundo de Futebol, em 1958. 

O esquema tático do governo JK era ofensivo: “Cinquenta anos em cinco”, ou seja, o Brasil deveria crescer em cinco anos o equivalente a cinquenta. O próprio JK era extrovertido, sorridente e muito simpático. Na vida pessoal, era mulherengo, gostava muito de música e era grande pé de valsa. Juca Chaves, compositor e humorista, fez a música “Presidente bossa-nova” caracterizando o líder da nação e o momento pelo qual passava o país: 

Bossa-nova mesmo é ser presidente 
Desta terra descoberta por Cabral. 
Para tanto, basta ser tão simplesmente 
Simpático, risonho, original. 

A letra toca em um dos principais projetos do presidente: construir uma nova capital, Brasília (“Voar da velhacap pra Brasília./ Ver a alvorada e voar de volta ao Rio”). A iniciativa ousada de edificar a cidade em pleno centro do Brasil “era a metassíntese do governo”. Brasília foi projetada pelo arquiteto Oscar Niemayer e pelo urbanista Lucio Costa. Um dos objetivos de JK era levar o desenvolvimento à parte central do país, desejo nada novo, como ele mesmo salientava. A nova capital, inaugurada em 1960, distanciava a classe política das antigas pressões vindas dos setores organizados da sociedade carioca. No Rio, os políticos conviviam lado a lado com o povo. Em cada esquina, bar, restaurante, cinema, rua, a população podia encontrar governantes e legisladores e reivindicar os seus direitos. Agora qualquer manifestação teria de incluir uma ginástica organizacional e financeira para protestar na nova capital. O compositor Jackson do Pandeiro, cantava sua “Homenagem à construção de Brasília”: 

Quem tiver de malas prontas 
Pode ir que se dá bem
Leve todos cacarecos,
Leve seu xodó também. 

Apesar do crescimento econômico, a inflação comia o pão do assalariado de baixa renda. Em 1959, a batucada de Miguel Gustavo “Dá um jeito nele, Nonô” referia-se ao presidente usando carinhosamente seu apelido de infância. Mas a música, popularizada pelo emblemático palhaço Carequinha, pedia para Nonô beneficiar os mais pobres, pois o cruzeiro “já não dava nem pra cocada”: 

Dá um jeito nele, Nonô.
Meu dinheiro não tem mais valô, 
Meu cruzeiro não vale mais nada, 
Já não dá nem pra cocada. 

O governo JK representava ainda os últimos suspiros políticos do suicidio de Vargas. Até quando a frágil democracia brasileira resistiria as pressões golpistas da UDN e de nossa elite escravocrata? Aguardem os próximos capítulos…   



Texto retirado, com pequenas alterações, do livro A República Cantada, da Editora Zahar, escrito em parceria com Diogo Cunha. 

Fonte da imagem: O então candidato Juscelino Kubitschek em campanha presidencial para as eleições de 1955; o progresso estava na moda (Reprodução/Folhapress)


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