Música

5 causos divertidíssimos de Moreira da Silva

por Caio Andrade

sexta, 01 de abril de 2022

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Moreira da Silva, o Rei do Samba de Breque, completa 120 anos em 2022. Chega a ser irônico o malandro, com um estilo tão engraçado e irreverente, ter nascido dia 1º de abril, justamente no Dia da Mentira. A carreira, iniciada no fim dos anos 1920, tomou novos rumos na década seguinte com as pausas e improvisos falados que ele acrescentou no meio dos sambas que cantava, criando o que seria chamado de “samba de breque”. Faleceu em 2000, aos 98 anos, deixando um legado de sambas lembrados até hoje.

Com ou sem breque, Moreira presenteou seus ouvintes com verdadeiros “causos”, dos mais simples aos mais mirabolantes, para se divertir toda vez que o escutarem. Entre crônicas e contos, falando sobre amor ou problemas financeiros, tornou-se tornou uma figura inigualável. Vamos relembrar algumas dessas histórias?


Fui Ao Dentista (Cícero Nunes/Sebastião Fonseca)

Fui ao dentista pra chumbar uma panela
Mas o gajo achou que ela não podia obturar
Ele me disse: vou mudar toda a mobília
Tu vais ver que maravilha, morengueira vai ficar
Arranco tudo, arranco até o maxilar

Inicialmente lançado em 1964 no álbum Morengueira 64, a música conta sobre como uma simples ida ao dentista se transformou em verdadeiros momentos de tensão para o sambista. Ele vai falando sobre os medos e as desconfianças que tem durante a consulta mas o doutor o coloca para dormir e o procedimento é feito. Felizmente, no fim da música, Moreira se entende com o doutor e vai ganhar uma “perereca” nova. A canção retrata bem o medo que muitas pessoas possuem quando vão ao dentista, com todos aqueles aparelhos, luzes e barulhos. 



Cidade Lagoa (Cícero Nunes/Sebastião Fonseca)

Esta cidade, que ainda é maravilhosa
Tão cantada em verso e prosa
Desde o tempo da vovó
Tem um problema, crônico renitente
Qualquer chuva causa enchente
Não precisa ser toró

Lançado pela primeira vez em 1959 no LP A Volta do Malandro, Moreira traz os dramas que os cariocas enfrentam quando chove no Rio de Janeiro. Como ele diz já nos primeiros versos, “não precisa ser toró” para começar o transtorno. Em uma crítica bem-humorada, ele ironiza dizendo que “vai de nado a Catumbi” e que “já comprou uma canoa” para enfrentar a cidade submersa quando cair a chuva. Interessante perceber como, mais de 60 anos depois, algumas coisas não mudaram tanto, não é mesmo?



Tira os Óculos e Recolhe o Homem (Moreira da Silva/Jards Macalé)

Estava deitado no meu apartamento
Dormindo tranquilamente
Entregue aos braços de Morfeu
Quando chegou um fariseu

Lançada em 1979 em um dueto com Jards Macalé no Festival 79 de Música Popular, da Rede Tupi, a canção foi baseada em fatos reais. A saga aconteceu no ano anterior, quando Jards tomou um enquadro dos militares (vale lembrar que era o período da ditadura) e coube a Moreira tentar resgatar o colega. Eles detalham desde a saída do hotel até a chegada à delegacia, tirando o título da música de uma frase muito comum ouvida durante a prisão. Nem o sambista conseguiu livrar Jards do delegado mal-humorado.

A música, durante a apresentação no festival, foi vaiada e muito má recepcionada pelo público. Há quem diga que alguns saíram em defesa dos militares e não gostaram daquele protesto em forma de canção, há quem diga que parte do público não apoiou a classificação da música no festival. Jards tenta cantar e ignonar aquela atmosfera, enquanto Moreira mostra sua clara insatisfação com o público.



Acertei no Milhar (Geraldo Pereira/Wilson Batista)

Acertei no milhar!
Ganhei quinhentos contos
Não vou mais trabalhar
Você dê toda roupa velha aos pobres
E a mobília podemos quebrar

Um clássico na voz de Moreira, gravado originalmente em 1940 e regravado em diversos outros momentos pelo sambista. Na música, ele conta as boas-novas para a esposa, Etelvina, sobre ter acertado no Jogo do Bicho e ganhado um bom dinheiro para ajudar a família. Agora rico, ele começa a traçar diversos planos sobre o que fazer com aquela bolada, como dívidas a serem pagas e viagens pela Europa. Entretanto, Etelvina o acorda e ele descobre que tudo aquilo não passou de um mero sonho.



O Rei do Gatilho (Miguel Gustavo)

Começa o filme com um garoto me entregando
Um telegrama do Arizona onde um bandido de lascar
Um bandoleiro transviado que era o bamba lá da zona
E não deixava nem defunto descansar

Seria um ultraje falar dos sambas de Moreira da Silva sem citar as composições do jornalista e radialista Miguel Gustavo. Nos anos 1960, Moreira encarnou o personagem Kid Morengueira e fez bastante sucesso. Na canção, gravada originalmente no fim de 1961 e lançada no ano seguinte, o sambista vira um pistoleiro destemido do Velho Oeste que vai combater os malfeitores da cidade em busca de justiça. Ele é ajudado por um índio que vira pivô da segunda parte da história, gravada no ano seguinte com O Último dos Moicanos, também do mesmo autor. O estilo hollywoodiano das canções cinematográficas de Miguel Gustavo, com uma sinopse falada antes da música começar, deu muito certo na voz de Moreira, com destaque também para Os Intocáveis (1963), Morengueira Contra 007 (1965) e O Sequestro de Ringo (1970).



Essas são só algumas das diversas histórias que o grande Kid Moreira nos deixou. Quais outras você se lembra fora dessa lista? Diz pra gente!



Caio Andrade é graduando de História da Arte na Escola de Belas Artes (EBA/UFRJ) e Assistente de Pesquisa e Comunicação no Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB) desde 2020Grande apaixonado por samba, pesquisa sobre o gênero há mais de uma década, além de tocar em rodas e serestas no Rio de Janeiro.

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