A música de

40 Anos de Idas e Vindas dos Titãs

Por Carlos Eduardo Pereira de Oliveira

sexta, 02 de fevereiro de 2024

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O telão branco e as luzes dos celulares eram as únicas iluminações presentes na Jeunesse Arena, em abril de 2023. Um pequeno barulho de conversa foi interrompido pelos gritos do público que via a entrada no palco dos Titãs. A banda nunca deixou de encontrar seus fãs nos seus 40 anos de atividade, mas aquele momento marcaria sua trajetória, assim como a história da música brasileira. Subindo por uma plataforma, entravam em cena os remanescentes da formação original da banda, criada em São Paulo no início da década de 1980. 

O show no Rio de Janeiro marcou a volta aos palcos de uma das maiores bandas do BRock. Ao som de “Diversão” (que não era tocada por essa formação desde 1991), Nando Reis, Paulo Miklos, Arnaldo Antunes, Tony Bellotto, Charles GavinBranco Mello e Sérgio Britto eram, mais uma vez, os Titãs. O retorno fez parte da turnê “Encontro”, que marcou a reunião dos artistas sob a égide da banda, com plano inicial de apresentação em 10 capitais brasileiras, entre abril e junho. O grande sucesso de público fez com que a turnê ganhasse novas datas e locais. Passou para 22 apresentações, ganharam o “além-mar” e desembarcaram em Lisboa para um show único, além de passarem pelos Estados Unidos. No fim, a turnê “Encontro” transformou-se em “Pra Dizer Adeus”, encerrando com três shows em São Paulo em dezembro de 2023. Estima-se que mais de 600 mil pessoas cantaram as músicas que ficaram cristalizadas no imaginário do rock brasileiro.  

Sem sombra de dúvidas, a capital paulista foi o palco da maior apresentação da turnê. 150 mil pessoas estiveram na Alianz Arena nos três shows para cantar alto os maiores sucessos da banda. A expectativa pelo show esgotou os 50 mil ingressos para cada um dos dias, culminando com a exibição ao vivo no Multishow, do grupo Globo, naquilo que seria sua última apresentação. 

São Paulo não foi escolhida para finalizar a turnê ao acaso. A cidade é a casa dos Titãs, local em que deram seus primeiros passos na música. A base do que viria a se transformar no grupo foi formada nos corredores do Colégio Equipe, localizado no coração do bairro de Santa Cecília e famosa na região por trazer diversas manifestações artísticas para dentro de seus muros, como exposições, peças de teatro, sessão de filmes e shows. Sérgio Britto, Arnaldo Antunes, Paulo Miklos, Branco Melo, Marcelo Fromer e Nando Reis passaram pela escola no final da década de 1970. O período é marcado pelos ritos finais da ditadura militar brasileira, que findaria em 1985 com a eleição (indireta) de José Sarney. Porém, a repressão e a censura às artes ainda faziam parte do mobiliário social e cultural do país.

Nesse contexto, o Colégio Equipe dividia-se em dois grandes grupos de alunos: um participante do movimento estudantil; outro, “menos preocupado com questões políticas ou ideológicas do país”, mas com olhar especial sobre as manifestações artísticas da escola, conforme Luiz André Alzer e Hérica Marco (2002, p.23) destacam na biografia do grupo. Próximos do segundo grupo, os Titãs do Equipe tinham uma ligação estreita com a música, formando bandas e se apresentando pela cidade.   

A efervescência de novas bandas e artistas no cenário musical brasileiro foi uma das marcas do rock nacional dos anos 1980, que se tornou o segmento de maior importância na década (Vicente, 2002). Aquilo que se convencionou chamar de BRock (termo cunhado por Arthur Dapieve) predominou na indústria fonográfica e cultural no período, alcançando vendas constantes de discos e com a formação de grupos com carreira duradoura, como Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Barão Vermelho e Titãs. Também marcou o direcionamento da indústria para um público jovem, ávido pelo consumo musical, que enxergava neste rito um importante espaço de formação de identidades.

Além disso, o sucesso do BRock passou pela atenção dada pelas mídias, com um novo conjunto de críticos musicais que surgiram nos principais veículos midiáticos do período, como Eduardo Vicente (2002) destaca. O autor aponta que a conexão dos grupos com os meios universitários, assim como aos ciclos das artes (como teatro, artes plásticas e cena independente), também favoreceu para uma legitimação social do rock frente a outros segmentos. Outro ponto é no diálogo intenso com as juventudes urbanas, de classe média e brancos, que tinham no segmento musical seu espaço de fruição e formação identitária. Estes jovens consumiam rock através da compra dos LPs e na participação ativa nas cenas urbanas do período, com um grande circuito de locais que abriam seus palcos para esses novos artistas.

Um deles era o SESC Pompéia, em São Paulo, local do primeiro show dos Titãs. Ainda com André Jung na bateria - que mais tarde seria substituído por Charles Gavin - e com Tony Belloto como guitarrista solo, a banda subiu no palco com suas roupas coloridas e um time de multi-instrumentistas: dos nove membros, seis cantavam. A imagem única da banda ganhou as telas dos maiores programas de auditório no período, como Chacrinha e Hebe Camargo, como estratégia de divulgação de seu primeiro álbum, em 1984. 

A consolidação dos Titãs como uma das grandes bandas do cenário do rock no período veio com o lançamento de Cabeça Dinossauro, pela Warner Music Brasil, em julho de 1986. O disco ultrapassou a marca das 380 mil cópias vendidas, sendo uma das maiores vendagens naquele ano - que também contou com outros álbuns de grande circulação, como Dois, do Legião Urbana e Selvagem?, do Paralamas do Sucesso, que ultrapassaram a marca de meio milhão de cópias vendidas. Com Cabeça Dinossauro, os Titãs encontravam-se com sua vertente mais ligada ao rock, em melodias rápidas e letras com teor de contestação social, sendo escolhido como o melhor álbum da década de 1980 pelo Jornal do Brasil, além de figurar entre os 20 melhores discos da música brasileira para a revista Rolling Stones, conforme Dapieve (1995).

Entretanto, o início da década de 1990 marcou um momento diferente na trajetória da banda. Arnaldo Antunes saiu para seguir carreira solo em 1992, além de destacar sua insatisfação com os rumos musicais do grupo. Desde então, ela atravessou um período de cinco anos sem produções com impacto de Cabeça Dinossauro. Além disso, alguns integrantes tocavam projetos paralelos naquele momento: Paulo Miklos e Nando Reis lançaram seus discos solos em 1994, mesmo ano em que Branco Melo e Sérgio Britto começaram a banda Kleiderman

O ponto de inflexão desse cenário foi o convite para o Acústico MTV, em 1997, em comemoração aos 15 anos da banda. A atração funcionou como uma espécie de “reciclagem” de artistas para uma geração mais jovem e que não estaria familiarizada com seu trabalho, como Sean Stroud (2008) aponta. Para isso, Warner e MTV realizaram uma grande produção. Os Titãs subiram no palco do Teatro João Caetano, casa seminal de shows e peças teatrais no Rio de Janeiro, com seus instrumentos desplugados e uma série de convidados especiais. Junto à banda, passaram: Fito Paez, Jimmy Cliff, Marisa Monte, Marina Lima, Rita Lee e o ex-titã Arnaldo Antunes. Jaques Morelenbaum, premiado violoncelista, maestro e produtor, assinou os arranjos da apresentação, que contou com o apoio de um quarteto de cordas, seis metais e uma harpa (Ryff, 1997, p.4-6). 

O Acústico Titãs marcou uma retomada comercial da banda, com alta vendagem e circulação do disco. As vendas do disco aproximaram-se de 1,8 milhões de cópias, sendo o caso de maior sucesso comercial do projeto Acústico na década de 1990 e figurando na lista dos 50 discos mais vendidos do instituto Nelson Oliveira Pesquisa e Estudo de Mercado (NOPEM). Além disso, reforçou seu espaço destacável na indústria fonográfica brasileira como uma das maiores bandas de rock do país, mostrando sua capacidade de se atualizar conforme novos tempos. 

De lá para cá, os Titãs passaram por drásticas mudanças. A morte do guitarrista Marcelo Fromer, vítima de um atropelamento em 2001, trouxe dúvidas sobre a continuidade da banda. Porém, no mesmo ano foi lançado A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana, pela Abril Music. O álbum foi o último trabalho de Nando Reis, que deixou a banda em 2002 alegando uma incompatibilidade de pensamentos. Os cinco membros remanescentes viraram quatro em 2010, com a saída de Charles Gavin; e três em 2016, com Paulo Miklos se despedindo da banda. Mesmo com as baixas, o trio composto por Branco Mello, Sérgio Britto e Tony Belloto seguiu em atividade com a banda. Durante 40 anos, os Titãs lançaram 17 álbuns de estúdio, sete discos ao vivo, além de coletâneas, turnês e o documentário Titãs - A Vida até Parece uma Festa, de 2008. A turnê Encontro veio como uma celebração da trajetória de sucesso da banda. Porém, ela atinge algo fundamental para o cenário musical atual: a nostalgia.     

Uma canção pode fazer uma pessoa lembrar de acontecimentos, lugares ou pessoas do passado, em uma experiência conhecida como memória autobiográfica evocada pela música, segundo Kelly Jakubowski (2023). Ou seja, o ato de escutar o som de uma banda pode remeter a lembranças que afloram sentimentos associados a ela. Isto fica ainda mais forte quando nos remetemos às canções de bandas associadas a gerações, especialmente levando em conta a forja de identidades juvenis pela música. Abre-se a nostalgia de um passado de formação identitária, momento importante na trajetória da maioria das pessoas.  

O aspecto nostálgico não é particular da turnê de reunião dos membros originais do Titãs, mas uma marca da indústria musical atual. Vimos diversos artistas, nacionais e estrangeiros, com temporada de shows de reunião ou volta de formações. No Brasil, um dos maiores sucessos do segmento (anteriores à turnê Encontro) foram as reuniões dos Los Hermanos, em 2015 e 2019, após hiato iniciado em 2007. A banda levou grande público para suas apresentações, ultrapassando a marca de 45 mil pessoas em cada um dos shows. Fora do rock, turnês, como a de Sandy & Junior, também angariaram público massivo. 

O que está em jogo nesse ponto é a rememoração de melodias de uma geração. Assistir ao show de uma banda que retorna após anos ou décadas é um convite para que aquela memória afetiva consiga se perfazer novamente. Nisto, as turnês de reunião se convertem em um acontecimento social, em que a nostalgia age como uma forma de identificação coletiva, conforme Sergio Andrés Cabello (2023). Pessoas se unem em torno de um movimento coletivo de compartilhamento de memórias, evocadas pela música. Também, descortina-se a possibilidade em mostrar para novas gerações as “músicas de sua época”, quase como um convite para seu próprio passado. Portanto, a turnê Encontro marca os 40 anos de construção de memórias dos Titãs na população brasileira. 


Referências:

ALZER, Luiz André; MARMO, Hérica. A vida até parece uma festa: toda a história dos Titãs. Rio de Janeiro, Record, 2002.

CABELLO. Sergio Andrés. ¿Por qué estamos enganchados a la música que escuchamos en nuestra juventud? In: The Conversation, 28 agosto 2023. Disponível em: https://theconversation.com/por-que-estamos-enganchados-a-la-musica-que-escuchamos-en-nuestra-juventud-210297#:~:text=Melod%C3%ADas%20de%20juventud&text=Igualmente%2C%20los%20estilos%20y%20canciones,pierde%20a%20medida%20que%20envejecemos.

DAPIEVE, Arthur. Brock: o rock brasileiro dos anos 80. 4. ed. Rio de Janeiro: Ed.34, 2004.

JAKUBOWSKI, Kelly. ¿Por qué la música evoca tantos recuerdos? In: The Conversation, 23 março 2023. Disponível em: https://theconversation.com/por-que-la-musica-evoca-tantos-recuerdos-201594.

RYFF, Luiz Antônio. Titãs fazem festa de debutante acústica. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 77, n 24809, 06 março 1997. Ilustrada, p.4.6.

STROUD, Sean. The defence of Tradition in Brazilian Popular Music. Hampshire: Ashgate, 2008. 

VICENTE, Eduardo. Música e disco no Brasil: a trajetória da indústria nas décadas de 80 e 90. 349 f. Tese (Doutorado) - Curso de Comunicações, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.

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