Cobertura IMMuB

Jards Macalé 50 anos depois: uma noite histórica no Circo Voador

por Mylena Godinho e Caio Andrade

quarta, 30 de novembro de 2022

Compartilhar:

Na noite da última sexta-feira (25/11), sob a lona do Circo Voador no Rio de Janeiro, se iniciava a histórica comemoração de 50 anos do álbum homônimo de Jards Macalé, lançado em 1972 pela Philips. O espetáculo, fruto de uma ideia da companheira de Jards, Rejane Zilles, reuniu públicos de todas as gerações, com ênfase especial aos jovens, reafirmando o status do disco como clássico inegável da Música Popular Brasileira que se mantém atemporal após meio século.

O trio original que gravou o LP em 72 era composto por Jards Macalé na voz e no violão, Tutty Moreno na bateria e Lanny Gordin no baixo elétrico e no violão acústico com cordas de aço. Macal e Tutty haviam participado juntos do álbum Transa, de Caetano Veloso, gravado no final de 1971 em Londres. Para o show, ambos mantiveram suas posições originais, acompanhados de Guilherme Held na guitarra e Pedro Dantas no baixo elétrico.


A abertura da noite ficou a cargo do DJ Janot, que tocou canções da MPB da época, como "Barato Total"na voz de Gal, preparando um clima de psicodelia que se seguiu na performance do capixaba André Prando. Acompanhado de sua banda e de um público fiel, ele retornou ao Circo Voador com uma seleção de sucessos de seus três álbuns e ainda convidou Duda Brack para dividir o palco cantando a enérgica faixa "Em Chamas no Chão". Para quem achou que o clímax da apresentação havia chegado, ele surpreendeu ao explodir para além do palco e se lançar à plateia, oferecendo o microfone a quem quisesse cantar junto. Finalizou a abertura com duas faixas de seu primeiro álbum, deixando a plateia dançando o "Choro Plebeu" e esperando que os versos de despedida de Linha torta sejam realmente um “até logo”.

A apresentação de Jards Macalé e banda se iniciou com três canções do disco homônimo: "Farinha do Desprezo"e "78 rotações", composições feitas em conjunto com o poeta José Carlos Capinam, e "Revendo Amigos", com o também poeta Waly Salomão. A última faixa foi censurada durante a ditadura militar, com os famosos versos eu "volto pra curtir" sendo originalmente eu "volto pra cuspir". Na lista de músicas previstas para o show estava outra parceria com Waly, "Mal Secreto", que acabou ficando de fora do repertório, apesar da manifestação do desejo de muitos fãs. Essas colaborações inauguram uma coesa série de composições poéticas que também incluem "Let's Play That", composta com Torquato Neto e executada no fim do show.

Em sequência, o resgate da faixa-título do compacto duplo "Só Morto", gravado por Macalé em 1969, estimulou a plateia a pedir incansavelmente a faixa "Soluços", do mesmo álbum. Em um dos momentos mais tocantes do espetáculo, uma catarse coletiva tomou conta do público, que cantava a plenos pulmões, entre saltos e gritos, os versos que tanto esperaram: quando você me encontrar / Não fale comigo, não olhe pra mim / Eu posso chorar. 


Jards também trouxe o repertório de seu último disco solo, Besta Fera (2019), com faixas como "Pacto de Sangue", composta por Capinam, e "Trevas", adaptação musicada do poema "Canto I" de Ezra Pound – com a vocação para a poesia se fazendo novamente presente. Em um momento mais calmo do show, Macal ficou sozinho ao violão e prestou uma bela homenagem à Gal Costa, falecida no início do mês. Dedicou a ela a canção "Hotel das Estrelas", imortalizada nas gravações dos álbuns Legal (1970) e Fatal (1971), seguida de "Vapor Barato", também ícone do álbum de Gal de 1971. Erasmo Carlos, que nos deixou na semana passada, foi ovacionado por um minuto antes do show e reverenciado por Macalé. A memória de Luiz Melodia também foi celebrada em "Só Assumo Só" e "Farrapo humano", ambas composições dele que foram cantadas de cor pelo público.

Em meio a muitas declarações apaixonadas dos fãs, Jards respondeu: "vocês são um espetáculo!". Mas o espetáculo foi ele quem nos ofereceu, ao lado da banda, em uma noite que já conquistou um lugar inesquecível na memória de todos os que lá estiveram presentes. Ao final da apresentação, ele nos presenteou com uma ode à vida em "Quero Viver Sem Grilo", gravada por Emanuelle Araújo em 2020, em que a plateia cantou "Quero viver" repetidas vezes como um mantra celebrativo. Em seguida, trouxe para o centro do palco uma bandeira do Brasil repleta de bordados coloridos e com a frase "Amor, Ordem e Progresso". Não é à toa que o próximo disco de Macal, com previsão de lançamento para o ano que vem, será composto por canções de amor. A partir de agora, só amor e farinha do desejo. 

O Instituto de Memória Musical Brasileira agradece ao Circo Voador pela parceria, à Carla Yared pela generosidade de nos permitir acesso aos bastidores e ao Jards Macalé pela recepção calorosa e atenção a que nos dedicou!




Fotos de Mylena Godinho



Mylena Godinho é graduanda em História da Arte pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA/UFRJ), monitora em uma disciplina do curso e educadora estagiária no Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Toca e canta há mais de dez anos, produz capas de disco e tem composições gravadas. Realiza coberturas fotográficas de shows, além de manter um projeto de experimentação musical com amigos intitulado A Banda Imaginária. Publica regularmente textos críticos em catálogos de exposições de arte, artigos e pesquisas em revistas acadêmicas e poemas em antologias. Prepara seu primeiro livro de poesia.


Comentários

Divulgue seu lançamento