Colunista Convidado

Isto é Bom - 120 anos

por Marcelo Bonavides de Castro

terça, 22 de novembro de 2022

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No século XIX, um dos inventos que causou espanto entre as pessoas foi o fonógrafo, de Thomas Edison. Inventado em 1877, o aparelho gravava e reproduzia a voz humana em cilindros de cera. Anos depois, os cilindros eram comercializados contendo gravações de músicas, sejam cantadas ou orquestradas. O pesquisador José Ramos Tinhorão informava que esse invento, aliado ao surgimento do disco (criado por Emil Berliner em 1887), tempos depois, salvaria várias composições do esquecimento, cujas reproduções dependiam somente das partituras musicais.

No Brasil, o pioneiro nas gravações fonográficas foi o tcheco Frederico (Fred) Figner. Chegando em Belém (PA) em agosto de 1891, ele logo apresentou o fonógrafo, trazendo também vários cilindros e materiais para fazer as gravações. Do dono do hotel em que estava hospedado a figuras públicas de Belém, passando por artistas de uma companhia teatral que apresentavam uma opereta na cidade, Fred Figner gravou as vozes, munindo-se de um bom material para exibir ao público. Do Pará seguiu para Manaus, mas não ficou somente no Norte do país, seguindo viagem pelo Nordeste, passando por Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife, Salvador, até chegar ao Rio de Janeiro, em 21 de abril de 1892, aos 26 anos de idade. Porém, com medo da febre amarela que assolava a então capital federal, Figner ainda excursionou pelo Sudeste e Sul do país, indo até Buenos Aires. Retornaria ao Rio de Janeiro em 1893.

Em 1896, após uma viagem à Europa, Figner voltou ao Rio de Janeiro trazendo algumas novidades, entre elas, o número da Inana, a bela mulher que flutuava no ar sem ponto de apoio. Fez tanto sucesso que duraria até 1898, sendo destaque na peça de teatro de revista O Jagunço, de Arthur Azevedo e Paulino Sacramento. Em 1901, a atriz Pepa Ruiz levou à cena a revista A Inana, de Moreira Sampaio.

Entre tantas novidades, em 1897, Fred Figner daria início à comercialização de cilindros gravados em nosso país. Novamente Tinhorão nos informa que o empresário havia convidado os cantores Bahiano (Manuel Pedro dos Santos) e Cadete (Manuel Evêncio da Costa Moreira) para gravar alguns fonogramas acompanhados ao violão. Já em 1900, Figner, homenageando o inventor do fonógrafo, inaugura no Rio de Janeiro a Casa Edison, localizada na Rua do Ouvidor. O estabelecimento era uma loja que vendia de tudo um pouco, de brinquedos à materiais de escritórios. A partir de 1902, também seria nossa primeira gravadora de discos. 

Em janeiro de 1902 foram feitas as primeiras gravações em discos no Brasil, pela Casa Edison. Na ocasião Bahiano e Cadete fizeram várias gravações, cantando dezenas de modinhas, lundus e cançonetas. Também foram gravados discursos e um repertório pela Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro. Não há um documento ou registro dizendo qual foi a primeira música a ser gravada, porém, o disco Zon – O – Phone etiquetado como 10.001 era o que trazia o lundu Isto é Bom, da autoria do ator e compositor baiano Xisto Bahia, lançados no catálogo da Casa Edison para 1902. A música era a primeira de uma grande lista; porém, para nos confundir, no mesmo catálogo, em posição 122, temos a canção Ave Maria, gravada por Cadete, que recebeu a numeração de X-1001. De qualquer forma, Isto é Bom, também conhecida como Yayá, você quer morrer?, tornou-se a mais popular.

Seu autor, Xisto Bahia, nasceu em Salvador em 06 de agosto de 1841 e foi um destacado ator e compositor da segunda metade do século XIX, quando passou a morar no Rio de Janeiro. Também era cantor. Entre as peças que atuou, destaca-se O Carioca, de Arthur Azevedo e Moreira Sampaio, estreada em 1886. Era casado com a atriz portuguesa Maria Victorina de Lacerda Bahia e faleceu em 30 de outubro de 1894. Também compôs a melodia da canção Ainda e Sempre (Quis debalde varrer-te da memória), cujos versos são de Plínio de Lima. Também é o autor dos lundus Mulata Vaidosa e Preta Mina.

O intérprete de Isto é Bom, Bahiano, foi um pioneiro no disco e nas gravações em cilindros em nosso país. Ele se chamava Manuel Pedro dos Santos e nasceu na Bahia, em Santo Amaro da Purificação, em 05 de dezembro de 1870, falecendo no Rio de Janeiro em 15 de julho de 1944, aos 73 anos de idade. De 1897 a 1924, gravou cilindros e, desde 1902, dezenas de discos em vários estilos musicais. No catálogo da Casa Edison para 1902, Bahiano aparece em primeiro, com o destaque de “Popularíssimo Bahiano”, em seguida são apresentadas setenta e cinco gravações feitas for ele e lançadas em disco, com Isto é Bom em primeiro lugar.

Falar sobre pioneirismos musicais no início da gravação em discos no Brasil e não falar na participação feminina seria uma grande injustiça. Pelas informações recolhidas, as mulheres estiveram presente desde o início das gravações, ainda no período do cilindro. Podemos encontrar anúncio de cilindros musicais de cantoras como Júlia e Senhorita Consuelo. A partir de 1902, Senhorita Consuelo e Senhorita Odette se tornaram popular em discos Zon – O – Phone, lançando modinhas, lundus, valsas e cançonetas. Aliás, é bem interessante os duetos de Senhorita Consuelo e Bahiano, que mostram uma grande sintonia cantando juntos e nas brincadeiras que trocavam entre si. A partir de 1904, surgem outras cantoras, com destaque para a atriz-cantora Pepa Delgado, nome começava a fazer sucesso no Teatro de Revista e que gravou vários discos até 1910, tendo sido vários relançados em 1912. Ainda podemos citar Júlia Martins, Risoleta, Nina Teixeira, Medina de Souza, Abigail Maia, entre tantas outras que participaram das primeiras décadas de gravações discográficas no Brasil. 

Voltando a Isto é Bom, fora o lançamento em selo Zon – O – Phone 10.001, de 1902, foi relançado em 1903 (ou gravado novamente) sob o mesmo selo com a numeração X-1.031, também com Bahiano. Em 1908, Eduardo das Neves regravou Isto é Bom, acompanhado ao violão, com alguns versos diferentes, em disco Odeon Record 108.076. No início da gravação, ele lembra o autor, Xisto Bahia. Também foi gravado por Mário Pinheiro em 1910, em disco Victor Record 98.955. Em 1954, Vanja Orico gravaria o lundu com o título de Iaiá vancê qué morrê?, regravando a mesma música em 1955, com o mesmo título. Isto no período do 78 rpm.

Na época do LP e CD, Isto é Bom seria regravado várias vezes. Destaco a gravação de Maricenne Costa feita em 1999 e a de Mariene de Castro, realizada em 2012, esta última foi tema de abertura da telenovela Lado a Lado, exibida pela Rede Globo em 2012.

Sendo ou não a primeira música gravada em nosso país, Isto é Bom atravessa gerações com sucesso. Composta no século XIX, chegou ao século XX através das gravações mecânicas e, no século XXI, continua um ícone de nosso cancioneiro popular.



Marcelo Bonavides de Castro, 47 anos, é natural de Fortaleza (CE). É jornalista, historiador, pesquisador musical e ator. Desde 1988, pesquisa a vida e a obra de artistas do teatro de revista, do disco e do rádio, no período de 1859 a 1940. Possui o blog Arquivo Marcelo Bonavides (Estrelas que nunca se apagam): www.marcelobonavides.com

Atualmente, está cursando Mestrado em História, Culturas e Espacialidades pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Contato: bonavides75@gmail.com

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