Nico Nicolaiewsky, um artista de múltiplas faces
Embora não o tenha conhecido, Nico Nicolaiewsky foi meu amigo. Antes que o nobre leitor imagine que estou dizendo alguma asneira contraditória me permita explicar. Essa nossa amizade começou quando eu ainda era criança e ele já era um dos artistas mais populares e qualificados do Rio Grande do Sul.
Lembro ainda pequeno de ficar encantado ao ver suas aparições na televisão com seu parceiro Hique Gomez para divulgar o espetáculo Tangos e Tragédias. A admiração era tamanha que toda vez que eles estavam em algum programa e eu não estava assistindo minha mãe me chamava para ver “os malucos que eu tanto gostava”. Coisa de amigo.
Vestidos de formas nada usuais, Nico e Hique (que na peça eram o Maestro Pletskaya e Kraunu Sang) falavam de um mundo completamente diferente: tinha uma dança na qual só se mexia a cabeça, falavam de uma tal de lixeira cultural e de um sistema político chamado anarquismo hiperbólico. Este mundo chamavam de Sbórnia. E eu tinha convicção que a Sbórnia existia, de fato. Ganhando um pouco de idade descobri que eles inventaram tudo. Mas com o tempo voltei a saber que ela existe e está em cada um que penetrou naquele imaginário. Tipo uma amizade.
Tangos e Tragédias era um espetáculo completo: tinha humor, dramatização, improvisação, um pleno domínio do público e música de qualidade. Pela primeira vez ouvi falar em Vicente Celestino, por exemplo. As performances eram incríveis e eu adorava ver Hique dançar. Preferia-o, assumo. Até ouvir a versão de “Meu erro”, clássico dos Paralamas, cantada por Nico. Era intimista, afinada, lírica. Cantou como eu cantaria se tivesse talento. Era como se atendesse o pedido de um amigo.
Com o tempo descobri que Nico teve um grupo popular nos anos 80, o Musical Saracura. Ouvi e adorei. Comprei seus CD’s e carregava no carro como raridade. Ouvia sempre. Quando ele resolveu cantar músicas super populares no seu piano achei estranho. Bastou ouvir “Tô nem aí”, da Luka, para mudar de ideia. Ouvi todas. Descobri que o “Ai, se eu te pego” tinha um balanço gostoso, e que o “Eu quero tchu, eu quero tchã” falava que “no Tocantis já bombou”. Coisa de amigo que apresenta novidades para a gente.
Saber que Nico existia na minha cidade e na música brasileira era um conforto, um alento. Até que um dia, quando tinha ingresso na mão para assisti-lo, Nico adoeceu. Não voltou mais. Sofri tanto que fui a seu velório, algo que costumeiramente não faço. Na plateia baixa do Theatro São Pedro, palco central da arte da capital gaúcha e do Tangos e Tragédias, pensei que deveria fazer algo pelo meu amigo.
No mesmo ano, corajosamente, ainda acadêmico de jornalismo, propus realizar um documentário sobre Nico como trabalho de uma disciplina. A querida Márcia do Canto, sua parceira, autorizou. E me tornei mais amigo de Nico, pois, além de contar sua história descobri suas particularidades especiais como marido, pai e amigo.
Por ele que passei a acreditar que poderia fazer algo relacionado a arte e a música. Por ele descobri que a arte fica e que fazê-la é algo de quem tem talento e perseverança. Também por ele é que existe o Ponteio. Obrigado, Nico. Você sempre será aquele amigo que mudou a minha vida.
Ouça Ponteio - 11/06/2022 - Nico Nicolaiewsky
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