Música

30 anos sem Luiz Gonzaga

sexta, 02 de agosto de 2019

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30 anos depois de sua morte, Luiz Gonzaga permanece mais vivo do que nunca no imaginário coletivo nacional. Suas músicas nunca saíram da boca e da memória do povo brasileiro. É como se cada um de nós já nascesse sabendo cantar coisas como Asa branca ou Vida do viajante

Conhecido também como Rei do Baião ou Gonzagão (para diferenciá-lo carinhosamente de outro craque, o seu filho Gonzaguinha), Luiz Gonzaga foi certamente um dos mais importantes músicos do Brasil. Influenciou um sem número de artistas que vieram depois dele, enriqueceu a cultua nacional e – raridade! – conheceu simultaneamente o sucesso popular e o reconhecimento da crítica especializada. 

Um dos seus maiores legados foi, sem dúvida alguma, a dignidade que deu ao Nordeste e à cultura dessa região. Nascido no município de Exu, em Pernambuco, Gonzaga já estampava suas raízes na maneira de se vestir, que acabou se tornando sua marca registrada: gibão e chapéu de couro, sandália, cartucheira e, claro, a inconfundível sanfona apoiada no peito. Sanfona com a qual compôs e cantou a vida do Nordeste – as dores (da seca, do exílio, da pobreza, do amor), mas também o orgulho de ser um homem nordestino. 

A paixão pela música sempre esteve em Gonzaga. Quando criança, gostava de observar seu pai tocando sanfona. Aprendeu a tocar o instrumento e ainda adolescente começou a se apresentar nos bailes de sua cidade e cercanias. Quando saiu de Exu, passou um tempo servindo no Exército e depois foi morar no Rio de Janeiro, onde costumava se apresentar nos bares da Lapa e do Mangue. Depois de algumas aparições em programas musicais da TV, acabou sendo contratado pela RCA Victor, gravadora com a qual estreou em disco, ainda em 1941. Nos quatro anos subsequentes, Gonzaga seguiu gravando um repertório formado por valsas, polcas e chorinhos. Em 1945, contudo, decidiu que era hora de colocar em prática um desejo seu: o de levar a música e a cultura nordestinas para o resto do país. Para isso, sabia que precisava arranjar um parceiro que o ajudasse na empreitada. E esse parceiro acabou sendo Humberto Teixeira, um cearense de Iguatu, poeta e compositor inspirado. 

Desde a primeira conversa que tiveram, decidiram que, para essa missão, deveriam privilegiar o gênero do baião, surgido no interior da Bahia no Século XIX, como uma variante do lundu. 

Desses encontros iniciais, nasceram as primeiras composições da dupla: o xote No meu pé de serra e Baião, uma espécie de canção-manifesto que apresentava o gênero ao público: “Eu vou mostrar pra vocês/ Como se dança o baião/ quem quiser aprender/ favor prestar atenção...”.

Na época, Gonzaga decidiu entregar Baião para o grupo Quatro Ases e Um Coringa, pois já desfrutavam de maior popularidade e repercussão. De fato, a gravação estourou e marcou o início da chamada Era do Baião, que compreende os anos de 1946 a 1957 e que representa o período em que a música nordestina penetrou os grandes centros urbanos, alcançado sucesso de proporções até então inimagináveis. Dessa forma, se antes o baião era um ritmo folclórico e de circulação reservada ao interior do Nordeste, depois do lançamento da música, o gênero virou mania nacional e não parou de tocar nos bailes das periferias e nem nos salões mais grã-finos da elite brasileira. Acontecia, finalmente, a nacionalização da música nordestina sonhada por Gonzagão

E assim o sanfoneiro Luiz Gonzaga se tornou o Rei do Baião, febre nacional e respeitado compositor brasileiro, que ao longo da carreira ainda iria nos presentear com diversos clássicos ao lado de outros parceiros, como Zé Dantas (Cintura fina, O xote das meninas, Forró do Mané Vito...) e Hervê Cordovil, com quem compôs Vida do viajante, música que anos depois acabou se tornando o seu prefixo: “Minha vida é andar por esse país/ Pra ver se um dia descanso feliz...”

Em 1958, quando se encerrou a Era do Baião e todos os ouvidos se voltaram para um novo som que começava a ser erguer no mar naquele fim de década (a bossa nova), Luiz Gonzaga enfrentou um período de menor visibilidade, embora sem perder sua relevância cultural. Prova disso é que em fins dos anos 1960, no auge da Tropicália, Gilberto Gil afirmou ser Luiz Gonzaga  a sua grande inspiração na música. Mesmo assim, sua volta definitiva ao sucesso se deu mesmo em 1972, com o show “Luiz Gonzaga volta pra curtir”, realizado no Rio de Janeiro, no Teatro Tereza Raquel, produzido por José Carlos Capinam, que deu origem a um disco ao vivo. A partir desse momento, a carreira de Gonzaga voltou a ter destaque no cenário nacional e ganhou novas altitudes: ele renovou seu repertório, lançou dezenas de LPs, gravou e foi gravado por nomes importantes da música brasileira daquele momento e fez diversos shows pela Europa. Era o rei voltando ao lugar de onde nunca deveria ter saído: o trono. 

Luiz Gonzaga morreu há 30 anos, aos 77 anos de idade, ainda desfrutando de grande popularidade, prestígio e carinho por parte do povo brasileiro. Hoje, seu legado não se resume somente à mencionada divulgação da música nordestina pelo país, embora tenha sido de suma importância. Gonzagão foi rei por ter tido orgulho de ser brasileiro, nordestino, por amar o povo e a música brasileira, e – sobretudo – por ter feito músicas que já podem ser tachadas de “eternas”: Asa branca, Olha pro céu, Assum preto, Pagode russo, O xote das meninas, Vem morena, Vida do viajante e tantas, tantas outras. Partindo do homem comum, das mais singelas emoções, das tradições e da cultura popular, Gonzaga criou uma obra primorosa - musical e literariamente -, tradutora das profundezas mais belas e obscuras do Brasil. Afinal, assim nascem os grandes clássicos: partindo do rudimentar, para se tornar eterno. E a obra de Luiz Gonzaga é para sempre. 


Texto por: Tito Guedes



Fontes: 
SEVERIANO, Jairo. Uma história da música popular brasileira: das origens à modernidade. São Paulo: Editora 34, 2008. 
http://www.luizgonzaga.mus.br/

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